quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

A polêmica do PNDH III

Extraído do Luis Nassif Online: AQUI

Indico também: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/quem-tem-medo-da-verdade/

Considerações sobre o PNDH-3

Por André Raboni

III PNDH: desvelando uma abordagem de “crise”

por André Raboni e Andrei Barros Correia
O clima de pretensa “crise” gerada pelo decreto do III Plano Nacional de Direitos Humanos é simplesmente comovente! É uma crise para as grandes empresas de comunicação, para os setores conservadores da igreja, para ruralistas e, claro, para militares que insistem em fantasiar com o título de “revolução democrática” o golpe que afundou o país em 21 anos de obscuridade – ainda não clareados até os dias de hoje.
Não obstante o burburinho mediático acerca do decreto nº 7037, retratado nos veículos de comunicação como se este fosse o maior “atentado já visto à Nação brasileira” nos últimos… 510 anos!, (claro, os donos da mídia temem por suas concessões públicas e seus direitos de aloprar com as verdades factuais para dar vazão às suas mentiras camufladas e tendências partidárias maquiadas), sintomático mesmo é o fato de que a formalização do Plano, após diversas conferências estaduais e nacionais, mediaticamente se tornou “escandalosa” justo nos pontos relacionados a estruturas tradicionalmente assentadas nas redes do jogo do poder no País.
A pressão militar foi significativa, e o Plano acabou por receber modificações nos termos “repressões políticas” (no que diz respeito à criação da Comissão da Verdade – que, dessa forma, já surge engessada) para ser aprovado hoje (13) em um novo decreto. Ainda assim, em outros pontos não se praticaram alterações, o que é positivo. Resta saber se a “crise” atual vai prosseguir, ou se a próxima já está por vir.
Essa “crise” artificial berrada pelos agentes supracitados, e reforçada pela grande exposição na imprensa, tem tomado conta do pensamento de indivíduos e setores que poderiam, em contrário, mostrar que isso não passa de um alarde fajuto, de plástico, fake. Mas, muitos se entregam à repercussão acrítica do que se convencionou ser uma crise. Uns, muito provavelmente por ignorar de que se trata, e cultivar o hábito de repetir o que ouvem. Outros, por má-fé, mesmo.
É preciso atentar para o nome da coisa: plano. Um plano nada mais é do que um… plano. Isso significa dizer que o decreto em que foi publicado não tem um caráter imediatista de aplicação das assertivas ali planejadas. Nada se cumprirá efetivamente sem uma aprovação legislativa e/ou judicial. Convém lembrar que o direito brasileiro não conhece o regulamento autônomo. Assim, um decreto necessariamente busca seu fundamento nas leis, ou na própria Constituição. Isoladamente, não é apto a gerar quaisquer direitos ou obrigações. Pode configurar, como neste caso, uma espécie de declaração de intenções e só.
Afinal de contas, trata-se tão somente de um plano, embora o alarde mediático esteja, num dos casos mais aberrantes, dizendo que se trata de “um primeiro passo rumo à uma ditadura”. Essa proposição não somente beira, mas adentrou no ridículo sem limites. Seria inédito até para o Brasil que a proposta de discussão sobre direitos fundamentais – discussão a ser levada a cabo na sociedade e no parlamento, fosse o início de alguma ditadura. As ditaduras, mais comumente, começam com sublevações da caserna – pode ser em Minas Gerais – apoiadas por algumas naves de guerra, que podem ser nacionais ou estrangeiras.
Dizer que o III PNDH é fruto de um surto delirante e solipsista do ministro Paulo Vannucchi não é correto, porque o plano é resultado de uma série de conferências estaduais e nacionais que envolveram muitos setores da sociedade civil, e também do governo. Além disso, é bom saber que o III PNDH segue no esteio do primeiro Plano de Direitos Humanos, que remonta ao primeiro governo FHC – mais precisamente ao ano de 1996. Além disso, não difere demasiadamente do II – muito embora se esperneie de forma altamente desproporcional nesse início de 2010.
Esses planos de direitos humanos, por sua vez, resultam sobremaneira da Declaração de Viena, um documento subscrito por 171 países que tiveram assento na Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos, que ocorreu em 1993. Esta informação é de fundamental importância, pois a Conferência Mundial marcou uma inversão da lógica predominante durante as décadas da Guerra Fria. Foi ali que se estabeleceu a interdependência entre os direitos humanos, o desenvolvimento econômico e os preceitos democráticos.
Esse avanço nos termos do direito global foi bastante significativo – ainda que as instituições globais de direito, em muitos casos, prestem-se mais a um papel meramente formal, e menos efetivo. Não obstante a evidente inefetividade do imenso catálogo de direitos humanos – ou fundamentais – está claro que eles foram enunciados e que os Estados signatários aderiram a quanto ali se declara. Inclusive, parte do compromisso assumido consiste em formatar o que será discutido e submetido à análise dos parlamentos. Ou seja, mais uma vez o óbvio incontornável, fazer planos!
Sem pretender adentrar em considerações teóricas profundas sobre teoria do Estado, está evidente que a confecção e publicação de um plano como o III PNDH é atitude absolutamente inserida na lógica da democracia. Ou seja, na lógica da discussão prévia e da tomada de decisões a partir da entidade competente para tanto: o Congresso Nacional.
O caráter de chantagem e de artificialismo da “crise” que se pretende decorrente do plano evidencia-se na consideração de que suas proposições podem ser rejeitadas no parlamento, assim como podem ser aprovadas. Em qualquer dos casos terá atuado o poder legislativo competente, mandatário da soberania popular. Pode causar escândalo a proposição de alguma matéria ao congresso? Não, evidentemente, pode causar aprovação ou rejeição.
Outra falácia é a suposta ineficácia do plano, tese que tem encontrado defesa em mentes ilustradas de verdadeiros decifradores de ideogramas. Ora, países que viveram processos muitas vezes mais traumáticos de violações escamoteadas por longos períodos propuseram-se a buscar suas histórias, sem que isso fosse elemento de chantagem de uma minoria, nem motivo de acusação de abordagem de assunto proibido. O caso da Espanha é emblemático. Não se fizeram indenizações, nem houve persecução penal. Todavia, valas de mortos do franquismo são abertas, tentam-se identificar os cadáveres e apontam-se culpados inequivocamente.
Esse é um precioso exemplo a recomendar às gerações posteriores que não embarquem nas experiências levianas. Contrariamente, fazer de conta que nada houve, ou que foi resolvido com dinheiro, é dar o exemplo de que os rompimentos da ordem legal e a prática de violações de direitos fundamentais valem a pena e não trazem quaisquer consequências.
A verdade histórica – não de interpretações, mas de fatos – convém às nações que pretendem atingir níveis elevados de estabilidade política institucional e de bem-estar geral. Ou seja, convém à pacificação da existência coletiva, que implica na crença na existência de limites e no respeito aos direitos. Contrariamente, onde se pratica e se pretende o vale tudo e onde se acredita que o futuro é o esquecimento do passado, os níveis de desagregação social e de instabilidade política institucional são elevados.
Na França, por exemplo, nunca se negou o período de Vichy (1940-1944), por mais vergonhoso para o orgulho nacional francês que isso seja. Nem se deixou de investigar eventuais ligações de alguém com o colaboracionismo. A Alemanha mantém como museus campos de concentração, por mais que isso possa parecer vergonhoso. O caso é que a vergonha é de quem se viu envolvido, não da nação. Esta, a nação, deve envergonhar-se é de pretender escamotear algo.
Parece evidente que todo esse esperneio observado contra o III PNDH é muita fumaça para pouco fogo. A questão central, como não poderia deixar de ser, é que interesses estão na iminência de serem contrariados. Mas a contrariedade veio de onde historicamente não costumava vir até aqui, que foram as várias discussões entre a sociedade civil e representantes de governos Estaduais e do governo Federal. Ou seja, o Plano está inteiramente inserido no jogo democrático, e ainda mais por se tratar de um plano, onde a aplicabilidade de suas propostas depende de aprovação legislativa.
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* André Raboni é redator do Acerto de Contas e bacharel em história pela UFPE.
** Andrei Barros Correia é Procurador Federal e editor do blog A Poção de Panoramix.

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